sábado, 20 de abril de 2019

A HISTÓRIA DA JOVEM ESTUDANTE QUEIMADA VIVA POR DENUNCIAR ASSÉDIO SEXUAL

A estudante Nusrat Jahan Rafi, de 19 anos, foi encharcada com querosene e queimada viva na escola em que estudava em Bangladesh.
Menos de duas semanas antes, ela tinha denunciado o diretor por assédio sexual.

A sua coragem em denunciar o caso, sua morte e tudo o que aconteceu com ela mobilizaram Bangladesh e chamaram atenção à vulnerabilidade de vítimas de abuso sexual no país conservador do sul da Ásia.
Rafi era de uma pequena cidade a 160 km ao sul de Dhaka, a capital e maior cidade do país.
Ela estudava em uma madraça (escola islâmica).
Em 27 de março, ela disse que o diretor a chamou para seu escritório e a tocou repetidamente de forma inapropriada.
Ela conseguiu correr antes de a situação se tornar pior.
Muitas meninas e mulheres em Bangladesh escolhem manter os assédios e abusos sexuais sofridos em segredo por medo de serem humilhadas pela sociedade ou por suas famílias.
Mas Rafi não apenas falou sobre o que aconteceu – ela foi até a polícia, com a ajuda de sua família, no dia em que o assédio aconteceu.
Ela prestou depoimento, mas em vez de ter garantido um ambiente de segurança e acolhimento, ela foi filmada pelos policiais enquanto dava seu depoimento.
No vídeo, Rafi está visivelmente incomodada e tenta esconder o rosto com as mãos.
O policial diz que a reclamação dela "não é grande coisa" e manda ela tirar as mãos do rosto.
O vídeo foi vazado para a mídia local.
CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA
Rafi era de uma cidade pequena, de uma família conservadora e frequentava uma escola religiosa.
Para uma garota em sua situação, relatar um assédio sexual pode trazer consequências.
Muitas vezes as vítimas enfrentam julgamento de suas comunidades, perseguição, pessoalmente e online, e em alguns casos, ataques violentos.
Rafi passou por tudo isso.
Em 27 de março, depois de Rafi ir à polícia, o diretor foi preso.
A partir daí, as coisas pioraram para a jovem.
Um grupo de pessoas foi às ruas exigindo a libertação do diretor. O protesto tinha sido organizado por dois estudantes homens e houve relatos de que alguns políticos locais participaram.
As pessoas começaram a culpar Rafi e a família dela começou a se preocupar com sua segurança.
Em 6 de abril, onze dias após o assédio, Rafi precisou ir à escola para as provas finais do semestre.
"Eu tentei levar minha irmã à escola, mas fui impedido de entrar", diz o irmão da jovem, Mahmudul Hasan Noman.
"Se eu não tivesse sido impedido, isso não teria acontecido com minha irmã", afirma.
De acordo com um depoimento dado por Rafi, uma estudante a levou para o último andar da escola, dizendo que uma das suas amigas havia apanhado.
Quando chegou lá, quatro ou cinco pessoas usando burcas a cercaram e a pressionaram a retirar as acusações contra o diretor. Quando ela se recusou, eles atearam fogo ao seu corpo.
O chefe da Central de Investigações da Polícia Banaj Kumar Majumder disse que os assassinos queriam fazer o homicídio parecer um suicídio.
O plano falhou quando Rafi foi resgatada após fugir do local – e conseguiu dar um depoimento antes de morrer.
Um dos assassinos estava segurando a cabeça dela com as mãos, então eles não jogaram querosene ali.
É por isso que a cabeça dela não foi queimada", diz Majumder à BBC News Bengali.
Mas quando Rafi foi levada ao hospital local, seu corpo estava 80% queimado.
Sem conseguir tratar suas queimaduras, os médicos a enviaram para o Hospital Universitário de Dhaka.

Na ambulância, com medo de não sobreviver, ela gravou um depoimento no celular do irmão.
"O professor me tocou, eu vou lutar contra esse crime até meu último suspiro", diz ela.
Rafi também identificou algumas das pessoas que a atacaram na madraça.
COMOÇÃO NACIONAL
Notícias sobre o estado de saúde da estudante dominaram o noticiário em Bangladesh.
Rafi não conseguiu sobreviver às queimaduras e morreu em 10 de abril.
Milhares de pessoas compareceram ao seu funeral em sua cidade natal.
Desde então, a polícia prendeu 15 pessoas, sete das quais estariam envolvidas no assassinato.
Entre os presos estão os dois estudantes que organizaram o protesto em apoio ao diretor, que também continua preso.
O policial que filmou Rafi na delegacia quando ela relatou a primeira ocorrência foi removido do cargo e transferido para outro departamento.
A primeira-ministra do país, Sheikh Hasina, se encontrou com a família de Rafi em Dhaka e prometeu que todas as pessoas envolvidas no homicídio seriam levadas à Justiça.
"Nenhum dos culpados vai escapar de processos", disse ela.
A morte de Rafi gerou protestos.
Milhares de pessoas usaram as redes sociais para expressar sua revolta sobre o caso e sobre o tratamento de vítimas de assédio sexual no país.
"Muitas garotas não protestam por medo de incidentes do tipo. Burcas não param os estupradores", disse um usuário do Facebook na página da BBC News Bengali.
"Eu quis uma filha minha a vida toda, mas agora tenho medo. Dar à luz a uma garota nesse país significa uma vida de medo e preocupação", escreveu uma leitora.
De acordo com o grupo de defesa dos direitos das mulheres de Bangladesh Mahila Parishad, houve 940 incidentes de estupro registrados no país em 2018.
Mas pesquisadores dizem que o número é provavelmente bem maior.
"Quando uma mulher tenta obter justiça por abuso sexual, ela tem de enfrentar muito assédio novamente. O caso se arrasta por anos, há humilhação pela sociedade e falta de disposição da polícia de investigar as denúncias", diz Salma Ali, advogada de direitos humanos e ex-diretora da Associação de Advogadas Mulheres.
"Isso leva a vítima a desistir de procurar justiça. No fim, os criminosos não são punidos e cometem o mesmo crime de novo. E outros não têm medo de fazer o mesmo por causa desses exemplos."
Agora, as pessoas estão questionando: por que o caso de Rafi só recebeu atenção depois de ela ser atacada?
E seu caso vai mudar a forma como as pessoas enxergam o assédio sexual em Bangladesh?
Em 2009, a Suprema Corte do país determinou que houvesse centros em todas as instituições de ensino onde as estudantes pudessem levar suas reclamações sobre assédio, mas poucas escolas implementaram a iniciativa.
Ativistas agora estão exigindo que a ordem seja cumprida para proteger as estudantes.
"Esse incidente nos balançou, mas como já vimos no passado, esse tipo de episódio é esquecido com o tempo. Eu não acho que haverá uma grande mudança depois disso. Precisamos ver se a Justiça será feita", diz a professora Kaberi Gayen, da Universidade de Dhaka.
"É preciso mudança, tanto cultural quanto na implementação da lei. Conscientização sobre assédio sexual poderia ser feita desde a infância nas escolas", diz Gayen.
"(As crianças) precisam aprender o que é certo e errado quando se fala de assédio sexual."
(Por BBC News)

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