quinta-feira, 4 de março de 2021

RECORDES DE MORTES POR COVID SUPERA AS MAIORES TRAGÉDIAS DO BRASIL

No total, 259.271 pessoas morreram em decorrência do novo coronavírus.
Foram 1.910 em apenas 24 horas, um novo recorde, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde — que não desencadeou, entretanto, o mesmo choque e espanto dos demais desastres.

O número de 1.910 é superior individualmente, por exemplo, ao total de mortos nas chuvas e deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro, em 2011 (917 mortos e 345 desaparecidos), no incêndio no Gran Circus Norte-Americano, em 1961 (503 mortos e mais de 300 feridos), no incêndio na boate Kiss (242 mortos e 680 feridos) e, mais recentemente, no rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho (259 mortos e 11 desaparecidos).
A covid-19 também supera outras tragédias ainda presentes na memória dos brasileiros, como o acidente aéreo da Air France em 2009, com 228 mortos.
Ou mesmo o incêndio no Edifício Joelma em 1974, em São Paulo, com 187 mortos e 300 feridos.
E também o naufrágio do Bateau Mouche em 1989, com 55 mortos.
Em sua conta no Twitter, Wilson Gomes, filósofo e professor titular de Teoria da Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), lembrou a comparação e também traçou paralelos com tragédias internacionais.
"A gente se chocou com os mortos da Boate Kiss, mas só ontem aconteceram 8 incêndios da Boate Kiss. A gente fica perplexo com os mortos de Dachau, mas em números oficiais no campo de extermínio bolsonarista da Covid já ocorreram 8 Dachaus. Existe fadiga até de espanto e de horror", escreveu Gomes.
No mesmo dia em que o Brasil atingiu novo recorde no número de mortos por covid-19, o presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar medidas restritivas adotadas pelos Estados.
Bolsonaro disse que, por ele, o Brasil "nunca" adotaria o 'lockdown', usado por vários países do mundo e considerado eficaz para restringir a circulação nos picos da pandemia do novo coronavírus.
Apesar disso, o presidente insistiu que a política "não deu certo em lugar nenhum do mundo".
"No que depender de mim, nunca teríamos lockdown. Nunca. É uma política que não deu certo em lugar nenhum do mundo. (Nos) Estados Unidos vários Estados anunciaram que não tem mais. Mas não quero polemizar esse assunto aí", disse Bolsonaro ao chegar ao Palácio da Alvorada.
Mas por que parece que não nos chocamos tanto quanto com outras tragédias que marcaram a nossa história?
Em última análise, especialistas dizem que nossa biologia poderia estar atuando contra nós.
Eles assinalam que nossos cérebros não estão programados para entender os grandes números.
Também temos outras preocupações, como incerteza econômica, agitação civil, incêndios florestais e furacões, conflitos geopolíticos, tensões eleitorais e mudanças sem precedentes na forma como trabalhamos, fazemos compras, socializamos e educamos nossos filhos.
Além disso, mais tragédia nem sempre gera mais empatia.
Segundo Paul Slovic, psicólogo da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, a magnitude do número de mortos pode fazer com que algumas pessoas se tornem menos sensíveis, devido a um fenômeno que ele chama de "entorpecimento psíquico", disse ele em entrevista à revista americana National Geographic.
"Nossos sentimentos são muito fortes por uma pessoa em perigo, mas não evoluem muito bem", afirmou ele.
"Se há duas pessoas, você não se sente duas vezes mais mal. Sua atenção fica dividida e você não tem uma conexão emocional tão forte", acrescentou.
Na opinião de Slovic, nossos cérebros evoluíram dessa forma como um mecanismo de enfrentamento.
Ele argumenta que, milhões de anos atrás, os humanos nem mesmo estavam cientes das pragas, conflitos ou desastres de pessoas distantes, então naturalmente nos concentramos em proteger a nós mesmos, nossas famílias e nossas pequenas comunidades.
Além disso, a longa duração da pandemia, combinada com a ausência de um fim claro, pode paralisar a sensação de choque das pessoas.
Para a psicóloga cognitiva Elke Weber, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, "a espécie humana é realmente adaptável".
Weber, que estuda como as pessoas tomam decisões quando enfrentam riscos e incertezas, disse à National Geographic: "Se você pensar nas pessoas que vivem em uma zona de guerra, o tipo de coisa que antes era terrível se torna normal. Nossos neurônios cerebrais disparam quando algo muda, mas param depois de um tempo. Se você está em uma sala com um cheiro ruim, você acaba parando de notá-lo".
(BBC News)

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